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quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Mobilização Precoce em Pacientes Provenientes de Complicações de SNC



@intensivistaxavier

O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é uma síndrome neurológica com grande prevalência em adultos e idosos, sendo uma das principais causas de morbimortalidade no mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o AVE é a principal causa de incapacidade no Brasil com uma incidência anual de 108 para cada 100 mil habitantes. Além disso, essa síndrome é responsável por um número considerável de internações no país, no qual apresenta um alto custo para o governo.

Diante do exposto, as complicações primárias e secundárias proveniente dos pacientes pós AVE aumentam a permanência e a restrição desses indivíduos no leito, fato esse que estando associado à ventilação mecânica e uso de sedação, potencializa o declínio funcional, o que comina em um elevado risco de morbidade e mortalidade.

Indicada para prevenir as complicações relacionadas à restrição prolongada no leito, como a fraqueza muscular adquirida na UTI (FAUTI), bem como minimizar as sequelas neurológicas oriundas da lesão primária no sistema nervoso central (SNC), a fisioterapia lança mão a mobilização precoce, atualmente bastante difundida e embasada quanto a sua seguridade e efeitos nos desfechos dos doentes criticamente enfermos, muito embora ainda não estabelecido a real dosagem a ser aplicado neste tipo em particular de pacientes.

Seguindo esta linha de raciocínio, no que diz respeito à dosagem e intensidade da mobilização precoce e o tempo para a iniciação da mesma a ser aplicada nos pacientes pós AVE, os estudos AVERT tem feitos grandes investigações a respeito desta temática e mostrado os resultados, positivos e negativos, no que tange a mobilização destes pacientes. 

Relato histórico da mobilização precoce pós AVE
A mobilização precoce foi discutida pela primeira vez em um consenso na conferência sueca de tratamento do AVC em meados dos anos 80, com guidelines já existentes na Noruega e Suécia recomendando esta prática de tratamento em pacientes internados em unidades de neurointensiva.

A mobilização precoce ganhou mais notoriedade na década de 90 a partir de ensaios clínicos realizado por Indredavik e colaboradores que demonstrou que no grupo que recebeu a mobilização precoce e reabilitação houve uma redução bastante significativa na mortalidade e incapacidade comparado ao grupo de cuidados usuais de enfermagem.

Estes estudos também serviram como base para a revisão sistemática da COCHRANE por Langhorne e colaboradores, que atestaram os efeitos benéficos da mobilização precoce em pacientes pós AVE.

Contudo, com o intuito de aprofundar e esclarecer ainda mais os reais benefícios da mobilização precoce estão os estudos AVERT, que desde 2007 vem investigando, de forma bem criteriosa, os efeitos da MP, bem como o início e intensidade da terapia nestes pacientes em particular.
Quanto à segurança e possibilidade da MP nas primeiras 24h

O primeiro ensaio clinico randomizado, bicêntrico AVERT fase II, em 2007 em Melbourne, Austrália, buscou avaliar a seguridade e possibilidade da aplicação da mobilização precoce em adultos pós AVE dentro de 24h após admissão e estabilização dos sintomas dos pacientes na UTI comparando com cuidados usuais da enfermagem nos desfechos de mortalidade e incapacidades. Os pacientes eram visitados e avaliados aos 7 e 14 dias e aos 3, 6 e 12 meses, um bom resultado foi predefinido com um score de 0-2 na escala modificada de Ranking, acima deste score, o resultado era considerado desfavorável. Em conclusão, este estudo mostrou que a aplicação da mobilização precoce dentro de 24h é segura e possível em pacientes pós estabilização dos sintomas de AVE (que em media foi de 18.1h), com resultados favoráveis na escala de Ranking em até 12 meses, porém não houve diferença significativa entre os grupos de MP e cuidados usuais de enfermagem no desfecho de mortalidade
Quanto à eficácia e segurança da MP nas primeiras 24h

Em um clinico randomizado, controlado, multicêntrico e internacional, envolvendo cinco países (Austrália, Nova Zelândia, Malásia, Singapura e Reino Unido), o AVERT buscou investigar os efeitos e segurança da aplicação frequente da mobilização precoce de alta intensidade em adultos internados em uma UTI dentro de 24h após a estabilização dos sintomas em pacientes pós AVE comparados com os cuidados usuais de enfermagem. Como resultados primários favoráveis, predefiniu-se um score de 0-2 na escala modificada de Ranking (graduados de 0-5 e 6 quando óbito), para a avaliação da incapacidade em até 3 meses e um resultado desfavorável quando a pontuação fosse maior do que 2 ou óbito. Dentre os resultados secundários incluiu-se tempo para uma deambulação de 50m, nível de independência funcional em 3 meses e eventos adversos.

Definiu-se como MP de alta intensidade a realização de atividades for a do leito como sentar beira-leito, ortostatismo e deambulação dentro das primeiras 24h de admissão e estabilização dos sintomas. Como resultados da aplicação deste protocolo, o grupo que realizou as atividades apresentou maiores resultados desfavoráveis na escala de Ranking, os quais apresentaram maior dependência funcional em até 3 meses pós alta da UTI. Concluiu-se, portanto, que a aplicação da mobilização precoce muito cedo e em alta intensidade impacta diretamente em um resultado desfavorável no desfecho de independência funcional em até 3 meses, permitindo, assim, uma adequação de protocolo de mobilização precoce em pacientes pós AVE.

Em um novo ensaio clinico randomizado, pragmático, prospectivo, controlado, multicêntrico e internacional, envolvendo os mesmos países, o AVERT estabeleceu a fase III de seu estudo, com o propósito de analisar os reais efeitos da frequente aplicação da MP em alta intensidade em pacientes adultos pós estabilização de sintomas de AVE dentro das primeiras 24h de internação em uma unidade de tratamento intensivo comparado com cuidados usuais de enfermagem.

Definiu-se como protocolo de mobilização precoce: a) iniciar dentro de 24h, b) realização de atividades for a do leito (sedestação beira-leito, ortostatismo e deambulação) e c) as atividades a serem aplicadas eram conforme o nível funcional do paciente a partir de uma escala (Tabela 1).

O objetivo deste trabalho foi o de avaliar a eficácia da MP através de protocolos de atividades, abordando os desfechos de mortalidade e incapacidade em até 3 meses avaliados pela escala modificada de Ranking, avaliar a redução de números e gravidades das complicações pós AVE, se melhorou a qualidade de vida em até 12 meses e o custo-beneficio da mobilização precoce.

Conclusão, os pacientes do grupo da aplicação do protocolo de MP em alta intensidade obtiveram um resultado desfavorável no desfecho de independência funcional em até 3 meses, a qualidade de vida avaliada aos 12 meses foi semelhantes entre os grupos, contudo uma mobilização mais em dosagens mais baixas pode ser o fator chave para um desfecho mais favorável.
Tabela 1 Escala de nível funcional

Conclusão
Os AVERT são os maiores e mais abrangentes estudos controlados e randomizados já realizado e levantam inúmeras questões a respeito da mobilização muito precoce (dentro de 24h) em pacientes pós AVE, em particular quais são as reais condições fisiológicas e quais as alterações moleculares que são induzidas pós AVE podem ser prejudiciais em alguns pacientes alvos da terapia. Portanto, não se trata apenas da recomendação ou não da mobilização precoce, pois desta forma se torna muito banal e praticamente anulam tais resultados já levantados.

Próximo estudo AVERT
AVERT Dose-frequência da mobilização muito precoce (dentro de 24h) após estabilização dos sintomas de AVE em pacientes admitidos em uma unidade de tratamento intensivo, com o objetivo de determinar a dosagem ótima da aplicação da MP.


Referências

Bernhardt J, Dewey H, Thrift A, Collier J, Donnan G. A Very Early Rehabilitation Trial for Stroke (AVERT): Phase II Safety and Feasibility. Stroke, 39(2), 390–396. 2008.

Bernhardt J, English C, Johnson L, Cumming TB. Early Mobilization After Stroke: Early Adoption but Limited Evidence. Stroke, 46(4), 1141–1146. 2015.

Langhorne P, Stott D, Knight A, Bernhardt J, Barer D, Watkins C. Very Early Rehabilitation or Intensive Telemetry after Stroke: A Pilot Randomised Trial. Cerebrovascular Diseases, 29(4), 352–360. 2010.

Botelho TS, Neto CDM, Araújo FLC, Assis SC. Epidemiologia do acidente vascular cerebral no Brasil. Temas de saúde. Volume 16, Número 2 ISSN 2447-2131 João Pessoa, 2016

Langhorne P, Wu O, Rodgers H, Ashburn A, Bernhardt J. A Very Early Rehabilitation Trial after stroke (AVERT): a Phase III, multicentre, randomised controlled trial. Health Technol Assess 2017;21(54).

Protocolo de atendimento progressivo em pacientes neurocirúrgicos em Terapia Intensiva

Autores: Laseane da Silva Mota*; Vitor lima de Azevedo*
*Pós-graduando(a) em Fisioterapia Intensiva pelo Instituto de aprimoramento em Ensino Superior (IAPES).

Coordenador: Daniel Xavier
Embora a sobrevida de pacientes críticos tenha aumentado nos últimos anos, complicações decorrentes da imobilidade na unidade de terapia intensiva contribuem para o declínio funcional, aumento dos custos assistenciais, redução da qualidade de vida e sobrevida pós-alta. A intervenção fisioterapêutica precoce se faz necessária para prevenir problemas físicos e psíquicos, evitando a internação prolongada e os riscos associados à imobilização. O benefício terapêutico da mobilização precoce vem se comprovando real, a fim de evitar deficiências e abreviar a alta hospitalar. Diversos estudos surgem nos últimos anos com o objetivo de proporcionar eficácia no atendimento ao paciente crítico, assistindo na tomada de decisões e promovendo a recuperação e/ou preservação da funcionalidade, através do movimento humano e suas variáveis.
Cuidados na abordagem do paciente neurológico grave são imprescindíveis e requerem conhecimentos específicos como fisiologia da pressão intracraniana, circulação sanguínea e metabolismo cerebral, além do entendimento das complicações advindas da lesão cerebral. Com objetivo de aperfeiçoar o atendimento do paciente neurológico crítico, foram reunido diversas abordagens fisioterapêuticas baseadas em evidências relevantes e recentes; e formulado um protocolo de abordagem progressiva neurofuncional em unidade de terapia intensiva, que poderá auxiliar em uma abordagem segura, eficiente e confiável.

A começar, avaliou-se a aplicabilidade de mobilização precoce no paciente neurofuncional crítico. Pires-Neto (2013) avaliou os efeitos de exercícios com cicloergômetro por 20 minutos em 19 pacientes profundamente sedados, nas primeiras 72horas de ventilação mecânica, avaliando minuto a minuto o débito cardíaco, resistência vascular sistêmica, saturação de oxigênio, frequência respiratória, volume corrente, consumo de oxigênio, produção de dióxido de carbono e níveis de lactato sanguíneo. O exercício passivo com cigloergômetro foi considerado seguro e não foi associado a alterações significativas na hemodinâmica, respiratória ou variáveis ​​metabólicas mesmo em aqueles que exigem agentes vasoativos.

Roth (2013) realizou um estudo com 84 pacientes, divididos em dois grupos: Pacientes com média de PIC <15 1="" e="" mmhg="" rupo="" span=""> pacientes com PIC >15 mmHg (Grupo 2), tratados com amplitude passiva de movimento e avaliando alterações na (PIC) e pressão de perfusão cerebral (PPC). Não foram observados efeitos colaterais nos dois grupos, utilizando mobilização passiva, concluindo que mobilizações passivas podem ser utilizadas com segurança em pacientes com doenças neurológicas agudas, mesmo quando a PIC é elevada.

Intervir de forma precoce também é fundamental para a melhora da função respiratória e melhora da aptidão cardiovascular. Thiesen (2005) verificou a influência da fisioterapia respiratória na pressão intracraniana em pacientes com traumatismo cranioencefálico, avaliando dados de 35 pacientes com TCE grave (ECG 8 e PIC <30mmhg a="" como:="" de="" diversas="" fisioterapia="" manobras="" respirat="" ria="" span="" style="mso-spacerun: yes;" submetidos=""> pressão manual expiratória com vibração manual costal , pressão manual expiratória com vibração manual diafragmática, drenagem postural, pressão manual expiratória com descompressão, pressão manual expiratória com descompressão diafragmática e aspiração endotraqueal. Observou-se aumento significativo de PIC após manobra de aspiração traqueal, com normalização 1 minuto e 30 minutos depois . Essas mudanças não foram acompanhadas de aumentos de PAM e a PPC manteve-se dentro do limite da normalidade. As manobras respiratórias avaliadas não afetaram de modo clinicamente significativo a PPC em pacientes com TCE grave, com valores da PIC até 30 mmHg, indicando segurança nesses tipos de intervenções em pacientes portadores de TCE grave, com PIC menor que 30 mmHg.
O desenvolvimento de fraqueza generalizada relacionada ao paciente crítico é uma complicação recorrente em pacientes admitidos em uma unidade de terapia intensiva. A redução da força muscular aumenta o tempo de desmame, de internação, o risco de infecções e consequentemente morbimortalidade. A fisioterapia é usada nesses pacientes como recurso para prevenção da fraqueza muscular, hipotrofia e recuperação da capacidade funcional (SILVA, 2010). Como objetivo de avaliar o efeito de uma intervenção em mobilidade baseada em Pacientes com AVC hemorrágicos em unidade de tratamento neurointensivo, realizando atividades como sedestação beira leito e deambulação progressiva, Rand (2015) sugere em suas conclusões que um modelo prognóstico preciso para a mobilidade em pacientes com acidente vascular cerebral hemorrágico poderia levar a uma maior probabilidade de obtenção de resultados funcionais favoráveis na marcha e qualidade de vida pós alta.

Baseado nos estudos acima relatados e em outros estudos relevantes pesquisados, montou-se uma proposta de protocolo de intervenção progressiva neurofuncional do paciente crítico, com o objetivo de aumentar a eficácia da abordagem fisioterapêutica no paciente neurológico internado em unindade de terapia intensiva mantendo um margem de segurança no manejo deste paciente.

Referencias Bibliográficas

FELICIANO, Valéria et al. A influência da mobilização precoce no tempo de internamento na Unidade de Terapia Intensiva. Assobrafir Ciência, v. 3, n. 2, p. 31-42, 2012.
FRANÇA, Eduardo Ériko Tenório de et al. Fisioterapia em pacientes críticos adultos: recomendações do Departamento de Fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 24, n. 1, p. 6-22, 2010.
PIRES-NETO, Ruy Camargo et al. Very early passive cycling exercise in mechanically ventilated critically ill patients: physiological and safety aspects-a case series. PLoS One, v. 8, n. 9, p. e74182, 2013.
RAND, Maxine L.; DARBINIAN, Jeanne A. Effect of an evidence-based mobility intervention on the level of function in acute intracerebral and subarachnoid hemorrhagic stroke patients on a neurointensive care unit. Archives of physical medicine and rehabilitation, v. 96, n. 7, p. 1191-1199, 2015.
ROTH, Christian et al. Effect of early physiotherapy on intracranial pressure and cerebral perfusion pressure. Neurocritical care, v. 18, n. 1, p. 33-38, 2013.
SILVA, Ana Paula Pereira da; MAYNARD, Kenia; CRUZ, Mônica Rodrigues da. Efeitos da fisioterapia motora em pacientes críticos: revisão de literatura. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 22, n. 1, p. 85-91, 2010.
THIESEN, Rosana A. et al. Influência da fisioterapia respiratória na pressão intracraniana em pacientes com traumatismo craniencefálico grave. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 2005.